terça-feira, 11 de setembro de 2012

Quebrar pedras
     
 I-       De minha janela, via o homem que quebrava pedras. Ele pegava, uma a uma, limpava, uma a uma, e ia moldando - uma a uma - limando as arestas, retirando o que não prestava, agrupando. Uma a uma. Um trabalho solitário, silencioso. O homem que quebrava pedras fazia isso sob um sol escaldante, protegido apenas pela sombra de um pequeno toldo.
          Eu observava tudo da janela de minha sala, refrescada pelo gélido ar condicionado, cercada de pessoas atentas, sorridentes e sem pedras para quebrar. Senti dó do homem. Um sol lindo daqueles e ele ali, sofrendo o que para mim era delícia. Comentei com um aluno: "que tarefa difícil, não?". Ele então esticou o olhar e também avistou o homem. "Talvez", respondeu apenas.
          Pensei que tal resposta poderia ser verdadeira. Quantas vezes nos julgamos pessoas legais e amigas e somos, bem lá no fundinho, preconceituosas e sempre prontas para julgar, como se nossos julgamentos, pensamentos, palavras - sempre viessem cercados de justiça, retidão, coerência e modelos? Pessoas às vezes são assim. Assim às vezes somos.
          Quebrar pedras pode ser, para quem quebra, uma tarefa honrosa, agradável, até, reflito. Tem gente que acha que ser professor é loucura, um erro, falta de opção, não é? Eu considero a melhor profissão do mundo, cercada de realização, prazer e bons momentos. Talvez o homem que quebrava pedras me dissesse isso, se perguntado sobre como é o seu fazer diário: "Difícil, nada. É bom fazer isso. Enquanto quebro, penso."
          A cada dia algo pode nos ensinar. Pode ser um livro, uma canção, uma palavra amiga. Pode ser um professor. Ou um homem quebrando pedras.

Quebrar pedras
     
 II-      De minha janela, via o homem que quebrava pedras. Ele pegava, uma a uma, limpava, uma a uma, e ia moldando - uma a uma - limando as arestas, retirando o que não prestava, agrupando. Uma a uma. Um trabalho solitário, silencioso. O homem que quebrava pedras fazia isso sob um sol escaldante, protegido apenas pela sombra de um pequeno toldo.
           Eu, que observava tudo da janela de minha sala, senti dó do homem. Um sol lindo daqueles e ele ali, sofrendo o que para mim era delícia. Eu observava tudo da janela de minha sala, refrescada pelo gélido ar condicionado, cercada de pessoas atentas, sorridentes, mas com suas próprias pedras para quebrar.
          Clarice Lispector, em A hora da estrela, revela que "Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas." Olho o homem que quebrava pedras, olho meus alunos realizando a produção de um artigo de opinião. A expressão deles - homem e alunos - é semelhante: tensa, ansiosa, com um quê de dúvidas, procura e esperança. "Tarefa difícil, não?", penso, taciturnamente, ao lembrar da frase de Lispector. A pressão da folha em branco, da mente em branco, do ponteiro do relógio que anuncia, a cada palavra/minuto: maisumamenosummaisumamenosummaisumamenosum...
          Mais uma vez, lembro-me de Lispector e recordo-me que a frase continua: "Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados". Sorrio. O homem quebra pedras, e os meninos, bem à minha frente, também. Não vejo mais nada além de faíscas e lascas.
(Referência: LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992. p.33-34)

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