Oca. Seca. Chão.
Olho-me no espelho e só vejo sombras
esparsas da mulher que um dia fui. Quase não me reconheço; é preciso esforço e
coragem para buscar - no fundo dos olhos, na respiração agora lenta, nos lábios
que se afinam – a essência que, creio, ainda sou. Os anos passaram e sobre eles
o tempo se avolumou. Transmutei-me em algo que não reconheço eu. Sou oca, sou
seca, sou chão. A vitalidade passou, assim como o primeiro amor e o sonho de um
dia mudar o mundo. Sou oca, sou seca, sou chão. A paixão pela vida se esvaiu,
bem como a crença no humano. Sou oca. Sou seca. Sou chão. Chão seco e oco que
se abre sob mim mesma e nele afundo. Chão seco e oco que me descobre somente
para então, pe-no-sa-men-te, me recobrir. Oca. Chão. Seca. Resto de uma mulher
que um dia fui. Hoje, não mais. Chão. Seca. Oca. As sombras esparsas que vejo
no espelho à minha frente confirmam isso. Penso, sobressaltada, se ainda vivo,
se naquela mulher oca, seca e chão à minha frente ainda haverá o fôlego de vida. Apesar
da infertilidade que a/me invade por completo. Apesar da sequidão que a/me
abate a alma. Apesar do chão que sou e que se me afunda sob mim. Apesar da mulher-eu que vejo no espelho.
Abro o armário. De lá retiro um
lençol branco. Cubro o espelho com o lençol branco e eis o fantasma diante de
mim. Por sobre o lençol branco, plenamente visível, uma sombra esparsa,
desdentada, plena de rugas – tão oca, tão seca, tão chão - me sorri tristemente.