segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Nova estrada
     Suspirou ao olhar a imensa estrada diante de si. Não havia nada que visse e pudesse reconhecer. Mas talvez devesse ser assim mesmo. O tal desconhecido, o famoso "novo" bem ali, a alguns passos, diante de sua tão frágil existência. O brilho do sol refletia na estrada, dando-lhe um ar de mágica, especial, única - a sua estrada. Mas, como seus olhos não conseguiam atingir o fim, a estrada dava-lhe também um ar de medo. Sabia, porém, que essa sensação não vinha da estrada. Era o desconhecido, o novo. Não podia voltar-se e reabrir a porta que deixara para trás. Ela era o passado; o seu presente futuro estava ali, à sua frente: aquela estrada. E era preciso prosseguir.
     Suspirou ao olhar a imensa estrada diante de si e sorriu, pois percebeu que não estava só. Ao seu lado, milhares de pessoas, todas de branco, todas sorrindo, com olhares cheios de esperança, desejo e o sonho de que tal estrada os levaria para o melhor. Magicamente (a estrada era mágica, já suspeitara), deram-se as mãos e ergueram suas frontes ao sol, recebendo o calor e a motivação de que tanto precisavam naquela nova jornada. E deram, juntos, o primeiro de muitos passos.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


Desejos de Ano Novo

O Natal havia passado há dois dias, e lembrava-se com gratidão da Ceia de Natal preparada em família. Casa cheia: parentes, amigos, irmãos. Todos à volta da mesa, com as mãos em prece, agradecendo aos céus por mais um Natal. Emoção e repeito ao Grandioso no coração de cada um ali presente. Depois, a alegria da troca de presentes, brindes ruidosos com taças de espumante e desejos sinceros de um feliz Natal. O mundo não havia acabado, afinal. E ela podia alegrar-se, na companhia das pessoas que mais lhe eram especiais, naquela noite feliz.
Agora, que todos já haviam partido e ela se encontrava em sua sala, sozinha, folheava velhas revistas e pensava sobre o ano que viria daí a pouco. Tinha uma lista especial de desejos. Queria fazer mais, aproveitar mais, sorrir mais e se estressar menos. Queria um ano de paz. Também queria viajar três vezes no ano; trocar de carro quando recebesse o décimo terceiro; publicar o livro no qual vinha trabalhando há tempos; aprender a tocar violão. Queria criar a regularidade de malhar três vezes por semana e não apenas quando ela sentisse que as roupas não estavam lhe caindo bem. Queria ver o pôr do sol uma vez, pelo menos, a cada quinze dias. Queria cortar o refrigerante, reduzir as frituras e os doces. E ler, religiosamente, três livros a cada mês. Gastar mais tempo cuidando de si mesma, ouvindo boas músicas, conversando com seu filho. Queria que essas coisas boas se estendessem a todos a quem ela queria bem, aos homens e mulheres de boa vontade espalhados por este vasto mundo.
Seus desejos eram bem próximos dos de boa parte do mundo, pensou. Deu uma sonora gargalhada, admirada por sua lista ser tão especial e, ao mesmo tempo, tão comum. Levantou-se do sofá, largou a revista num canto e pôs-se a cantarolar uma canção em homenagem aos desejos que todos nós, simples humanos, temos de que o mundo seja, um dia, melhor. Quem sabe em 2013?

terça-feira, 18 de dezembro de 2012


Apenas
Tudo parecia ter sido previamente combinado com os céus. O dia todo fora o mais lindo de que ela se lembrava; a tarde, agradabilíssima; e agora, justamente quando dia e noite se fundiam, numa dúvida tremenda quanto a se despedirem ou não, aquele crepúsculo especial estava divinamente único. Estava o ocaso encantador, tingido de vermelho e azul negro, especialmente naquele dia. Ela contemplava o horizonte, braço dado ao seu amado, cabeça reclinada sobre seu ombro. Inspirava e expirava, sentindo seus corações baterem sincronicamente. Era um silêncio e uma paisagem que diziam tudo, ainda que sem palavras. O mundo poderia acabar ali, como tanto se anunciava, não se queixaria nem um pouco se isso acontecesse. Toda a perfeição de um mundo, se pode ser reduzida a um segundo, era àquele.
Quando o amor acontece, nada mais que importa existe. Param tempo, ritmos, calendário. Compõe-se um cenário que testemunha junto à natureza a grandeza do que se sente. Apenas.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Naquele abraço

Tentando poetizar as tantas partidas que acontecerão ou já aconteceram hoje, aqui na Escola SESC de Ensino Médio. Tentando deixar gravado um pouco do misto entre dor e alegria  por ver que vocês encerraram essa etapa da vida. Tentando amenizar a própria dor, secar as próprias lágrimas, acalmar o próprio coração. 
Vocês sempre serão os primeiros... Que Deus os abençoe sempre. 

Era a hora de dizer adeus e ambos sabiam disso. Adiaram o quanto puderam, mas, quisessem ou não, chegara o momento em que não há mais pausas a serem dadas, nem hiatos que não sejam preenchidos. O momento exato que sempre se soube um dia chegar, mas sempre se desejou inexistente. A hora era chegada.

Olharam-se. Um levava uma mochila nas costas. O outro trazia a pequena mala nas mãos. O instante era de dor e tristeza, mas havia também uma magia que enlevava não aqueles corpos, mas os espíritos, a um estágio de leveza e nostalgia. Largaram tudo no chão - lá onde já estavam sua dureza, seu mau humor, sua solidão, coisinhas que aprenderam, com a magia da convivência, a largar, porque descobriram que o melhor é o coração mole, o bom humor e a parceria. 

E abraçaram-se. 

Naquele abraço, toda a paz, todo o bem querer e toda a felicidade que se possa desejar a alguém. Naquele abraço, um mundo de bons sentimentos, de boas lembranças, de braços dados e lágrimas em comum. Naquele abraço, as dúvidas de tanto tempo, as certezas que duram só um segundo, as expectativas de uma vida inteira. Naquele abraço, o encontro de duas almas, que se tornaram uma só naqueles anos de convivência. Naquele abraço, a cumplicidade, a concretude do significado da palavra "irmão", a generosidade da partilha, o companheirismo, a lealdade, o ombro sempre amigo, sempre presente, sempre tão seu.

Quando se soltaram, havia muitas lágrimas nos olhos de ambos. Mas sabiam que o momento já não mais se podia adiar.

Beijos nas mãos e o adeus marcaram, taciturnamente, uma despedida que, sabiam, se reproduzia uma centena de vezes naquele dia, naquele local. O fim de um começo que daria continuidade a muitos abraços e encontros, sempre únicos. Como aquele.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O beijo

O casal se beijava de maneira descansada e ao mesmo tempo intensa e apaixonada. Não havia pressa ou desespero, embora no beijo sobrasse paixão - que, por vezes, é desesperada. Havia carinho, cuidado e, digamos, até uma certa elegância. Corpos sincronizados, numa sinfonia de bocas, línguas, salivas, mãos, almas, corpos.
O tempo parecia ter parado, e as pessoas, à volta, sumido. Existia apenas o casal. Que se encontrava num beijo demorado sobre a imensidão azul do mar. Sim, pois estavam num barco, deslizando sobre a Baía de Guanabara.
As águas batiam no casco do barco e as ondas forçavam-no a balançar. Balanço que ritmava o encontro. Encontro de duas almas ali tão íntimas. Intimidade coroada com aquele beijo bom.
O mar é grande. Mas sumiu no tempo exato daquele beijo, naquele lugar, com aquele casal que explicava - a quem não soubesse - o significado de amor, paixão, carinho, querer bem, gostar de estar com, felicidade, encontro, desejo, comunhão, troca, carpe diem... 
Sem escolha, o mar, tão grande, rendeu-se à paixão e ao carinho humanos naquele longo espaço de beijar.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O quente pode ser frio

O dia estava quente, daqueles em que se pode ver a fumacinha quando se olha com apuro para o asfalto. O sol parecia debochar dos humanos que exibiam gotas de suor e sofrimento. Nenhuma folha de árvore balançava. Não havia pássaros voando. Na rua, somente os infelizes que não podiam escolher o ar condicionado da casa, trabalho ou shopping. E que caminhavam a passos largos, se abanando, secando a testa suada, procurando encontrar refúgio e frescor.

Ela, alheia a todo essa quentura, estava sentada no banco de uma praça. Sozinha. Sob o sol escaldante, imersa no calor. Tinha o olhar fixo, a testa enrugada, um sorriso sem graça nos lábios. Contemplava a vida que passava, sem sentir o corpo ou a alma aquecendo. Sua alma, aliás, estava fria e refrescava também a pele que, em oposição a de todos os demais, não suava. 

Se observassem bem, veriam que seus lábios eram arroxeados. Mas ninguém parecia notar que ela estava ali, ocupados demais em encontrar lugares frescos. Nem ela mesma  se reparava. Só tinha a certeza de que sua existência era fria, embora refrescante naquele dia de verão.