sábado, 20 de abril de 2013


Desenho da infância

As duas crianças brincavam de boneca, contentes porque estavam na companhia uma da outra. Divertiam-se a valer. Não havia preconceitos ou rumor de maldade. Não havia julgamentos ou classificações. Nenhuma segmentação ou estereótipo reinava naquela brincadeira. Somente a infância se desenhando com lápis coloridos e pedacinhos de giz de cera, num lindo quadro de pureza e sinceridade. Eram felizes: ela, ele e as Barbies.
Mas chegou a mãe dele, juntamente com a mãe dela. A primeira enfureceu-se:
- Garoto, ficou louco? Menino não brinca de boneca!
E tirou com aspereza da mão do filho a Barbie tão bonita, enquanto o levantava do tapete emborrachado todo enfeitado com as letras do alfabeto. Separou-o bruscamente da companhia da amiga, a quem devolveu a boneca.
A mãe dela abaixou-se à altura da menina em uma contenção assustada, acariciando a Barbie como num afeto à filha.
As duas crianças se olharam. E havia perguntas e tristeza nesse olhar.
As duas mães se despediram com um sorriso. E havia tensão e julgamentos nesse sorrir.
Enquanto a cena acontecia, um sutil borrão ganhava forma, manchando a pureza daquele desenho da infância.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Pai


O homem ergueu a mão para ele, mão pesada, calejada, quase rústica. Sua mão grossa tinha o peso de uma eternidade e certamente deixaria marcas na pele, na mente, na alma. Uma parte sua dizia “não bata”, a outra gritava “ele merece”. Escutou esta, ignorando aquela.
Desceu a mão sobre o menino com todo o furor, mágoa e peso que ela pudesse concentrar.
Ouviu-se um barulho seco, seguido de segundos de silêncio. 
Até que o filho explodiu em choros, balbuciando apenas, com temor, “pai!”