quinta-feira, 22 de novembro de 2012


Prece
O dia passava sombriamente. Ele olhava o relógio, inquieto diante do ponteiro que parecia expor suas fraquezas e limitações. A sala, como qualquer sala privada de espera num grande hospital, era silenciosa, exceto pela marcação dos segundos naquele maldito relógio. Aguardava notícias da operação de sua namorada, a mulher que havia escolhido para ser sua pra sempre, mas que acabara de sofrer um acidente de carro, enquanto se falavam por telefone. Estava grávida, no quinto mês. Ele, tenso, aflito e assustado e com medo. Uma hora e meia e nenhuma informação. Sozinho. Com medo. Mal.

Num instante, ela chegou. Era uma menina branca, de aproximadamente oito anos, vestidinho xadrez, rodado, duas tranças pendendo nos ombros, acabadas com exímios laços cor de rosa. Sentou-se ao seu lado. Ele estranhou, pois a sala era privada.

- Você se perdeu de sua mamãe, querida?

- Não. Vim falar com você.

- Como? Ele perguntou enquanto esboçava, desconcertado, um sorriso sem graça.

Ela o olhou ternamente e sorriu. Juntou as grossas mãos do homem, como na brincadeira de passar anel, e as soprou. Levantou-se e saiu.

Ele não conseguia desgrudar seus olhos da menina, tampouco as mãos, postas como em prece. Como que aproveitando a posição das mãos, cerrou os olhos e rezou.

Na sala de operação, foi ouvido um suspiro profundo, mesclado a um som agudo e uniforme.
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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Tocando em frente
Era uma vez uma manhã. E uma mulher que se levantava decidida. Nos últimos meses, ela havia pensado muito em muitas coisas. Preferia refletir, escolher, escrever. Nesse processo, descobrira o óbvio: o tempo passava - e não voltava. Sendo assim, não havia mesmo sentido em correr demais - refletia. Hoje o tempo é de andar devagar, sorvendo a beleza que existe em cada renascer. Tempo de trocar as lágrimas por esse sorriso assim tão meigo, tão simples, tão puro.
Nos últimos meses havia pensado muito em muitas coisas. Preferia cantar, pausar, sonhar. Descobrira o óbvio: a vida passa - e não pode ser revivida. Então – pensava: que a gente cultive um pouco de manha a cada manhã, num esforço criativo para compreender a marcha e ir tocando em frente. Vida que segue. E que siga bela e que me dê certezas de que pouco sei, mas que também sou forte e muito mais feliz. Sorriu. Estava em paz. Descobrira também que é preciso paz pra poder sorrir.

(Inspirado na canção Tocando em frente. Disponível em: http://letras.mus.br/almir-sater/44082/)