sexta-feira, 25 de janeiro de 2013


Des...encontros

Era noite e estava frio. Eles seguiam em direções opostas.
Para ele, o fim de tudo, afinal. Para ela, lembranças e dor no peito.
Ele pensava no tempo perdido ao lado dela. Ela lamentava não estarem abraçadinhos naquela noite fria.
Ele tentava esquecer, cantarolando uma canção, embora a canção lembrasse um passeio adorável que fizeram. Ela insistia em recordar o tudo de bom que viveram juntos.
Ele se lembrou de que deixara sua carteira com ela; mania que cultivava desde que iniciaram o namoro, porque reclamava que a carteira no bolso o incomodava demais, melhor deixar na bolsa dela. Ela apertou a bolsa contra o peito e sentiu o volume que a fez sorrir: sem a carteira, ele iria voltar. Ele iria voltar!
A contragosto, ele deu meia volta e pôs-se a apertar o passo, para alcançá-la logo. Ela, cheia de esperanças, se virou e aguardou. 
Ele a viu de longe e sorriu meio sem querer da mania que a via reproduzir mais uma vez: passar os cabelos para trás da orelha três vezes seguidas... Sinal de que ela estava nervosa. Ela sentia o coração bater mais forte à medida que notara o vulto dele se aproximar.
Esqueci minha carteira, ele disse, sem coragem de olhá-la nos olhos. Percebi agora. E fiquei feliz porque sabia que você voltaria para pegar... Ela respondeu baixinho, quase um sussurro frente ao peito dele, seus olhos buscando encontrar os dele em sua direção. Estavam tão pertinho, corpos colados. Ela reclinou a cabeça em seu peito. Assim, sem pensar na separação recente. Só para sentir mais uma vez sua respiração. Ele tremeu ao receber a pressão suave do corpo dela. Fechou os olhos sentindo o cheiro delicado daqueles cabelos ondulados que ele tanto admirava. Lembraram-se de como era bom estarem lado a lado. E sentiram-se aquecidos naquela noite fria.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Libertas quae sera tamen


Preguiçosa e indisposta naquela tarde chuvosa, a mulher recolheu-se ao quarto. Trazia na mão uma xícara quente de chá de boldo - que ela, amaríssima, tomava sem adoçar -, mas mantinha o coração gelado. Todo o rancor do mundo parecia guardado naquele peito e tudo parecia vir à tona sempre que se desenhavam tardes chuvosas. Inveja, despeito, ira. Nojo, vergonha, temor. Desprezo. Egoísmo. Frieza. Dor. Havia um pouco de tudo - e tudo de sobra. Remoía facilmente o que de pior a vida lhe dera, com a mesma rapidez que se obrigava a esquecer tudo o que recebia de bom...
Recostou a cabeça à vidraça da janela, olhando para o nada chuvoso, enquanto tomava seu chá. Sentia-se cansada de tudo, da dor em que vivia, de não ter ninguém - porque ela mesma a todos fazia questão de afastar. Teve o desejo de que tudo fosse diferente, que reaprendesse a sorrir, que sentisse a alma leve. Outra vez ainda.
Ocorreu-lhe uma ideia, um fiasco de luz e paz que invadiu sua mente como um piscar de olhos. Sem pensar, atipicamente, pôs-se a realizá-la. Depositou a xícara rapidamente sobre a cômoda, e nem se chateou por haver derrubado gotas de chá sobre a madeira religiosamente bem acabada. Caminhava com urgência em direção à porta (um breve sorriso lhe pintava o rosto), porta que também era de vidro, como a janela. Parou ao se ver refletida, misturando-se às gotas da chuva que caía. Era bela e parecia menos velha do que sempre se achava. Sorriu (meu Deus, ela sorriu!) enquanto descalçava os pés das meias velhas e frias. Porta aberta, barreiras vencidas, lançou-se sob a chuva que caía, gostosa e grossa, lavando-lhe o corpo, inundando-lhe a alma, trazendo o que, se ela ainda se lembrava, costumavam chamar de paz.
Liberdade ainda que tarde, pensou, feliz e rodopiante, qual criança ainda pura, ainda sem manchas, ainda feliz. Era leve, era livre, era ela - e viu que tudo isso era muito bom.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Via-crúcis

 
     Caminhava apressadamente, mas se deteve alguns instantes na porta da igreja. Tempo suficiente para de novo sentir-se em dúvida quanto a entrar ou não. Sabia, porém, que precisava entrar. Seria bom, iria lhe fazer bem. Além do mais, que mal poderia alcançá-lo ali? Era uma sexta-feira, pouco depois do horário do almoço, quando as pessoas não tinham tempo de parar porque precisavam voltar ao trabalho. A praça estava cheia de transeuntes, mas a igreja estaria praticamente vazia.
     Como não tinha muito tempo, decidiu entrar, e seus passos tornaram-se lentos, como se tomados por um profundo respeito. Tira a sandália dos teus pés, pensou ter ouvido, e apressadamente descalçou os tênis surrados. Seu coração acelerado forçava a cabeça a girar, contemplando a beleza daquele recinto. Teto, paredes, vidraças, santos. Cada detalhe para o qual olhava parecia assegurar-lhe de que aquele era o lugar onde ele deveria estar. Aproximou-se de um genuflexório e reverentemente se ajoelhou. Fronte e mãos abrigadas sobre o peito que agora serenava e se entregava à paz, silenciosamente rezou.
     Não se sabe quanto tempo ficou ali. Pela serenidade que sentia, pela paz que reinava em seu coração, devia ter sido a tarde inteira. Mas sabia que havia um caminho que precisava seguir, gostasse ou não e, levantando-se, se benzeu, agradecendo ao Divino, ao mesmo tempo em que lhe pedia perdão.
     Se possível, passa de mim este cálice, lembrou-se. Mas sabia que não era. Ali dentro, nenhum mal poderia alcançá-lo.
     Mas, à porta do templo, três policiais o aguardavam.