terça-feira, 12 de novembro de 2013

Dia quente   
          A mulher olhava pela janela. Era um dia insosso, como costumava dizer. O sol quente explodia o céu com sua gloriosa cor; o clima era pesado, estava tudo tão seco e quente que dava preguiça pensar em algo, por mais tolo que fosse. Do alto do terceiro andar, por trás de janelas de vidro, a mulher via os transeuntes. Uns caminhavam avidamente, passando vez ou outra a mão pela testa, a fim de se livrar do suor. Outros iam devagar, talvez desanimados pelo mesmo calor, talvez apenas cansados de viver a mesmice de suas vidas. 
          A mulher olhava-os e suspirava. Não se importava muito se seus dias seriam de sol ou chuva. Queria mesmo é redescobrir a alegria de viver, dia a dia, com a pureza das crianças, a ousadia dos adolescentes, a serenidade e a experiência dos que se maturaram na vida. Era apenas esse seu desejo.
          Suspirou outra vez, diminuiu a temperatura de seu ar condicionado e voltou para sua vidinha fria, tão toscamente normal, sem emoção ou calor. Sua existência a angustiava muito mais do que aquele dia quente e seco.

domingo, 10 de novembro de 2013

“Coisas de menina”
Sentia-se diferente há dois dias. Indisposta e triste até. Queixou-se com a mãe.
- Deixa de frescura, Gabriela. Desde quando uma menina de onze anos tem motivos pra se sentir mal? – retrucou a mãe, enquanto se voltava para a máquina de costura, apressando-se para terminar uma encomenda a ser entregue no dia seguinte.
A resposta em nada ajudou. Um pouco antes da novela das oito, Gabriela avisou que ia se deitar. Como já havia voltado da escola e feito as tarefas que lhe cabiam, a mãe não ligou, mesmo notando na filha certo abatimento, uma ausência de postura ao andar, uma palidez curiosa; a isso julgou como sendo apenas “coisas de menina”.
Gabriela só queria repousar. Escovou os dentes, lavou o rosto e preparava-se para urinar quando viu que de si escorria um líquido vermelho escurecido, uma pequena nódoa que manchava a calcinha. O coração disparou. Assustada, a menina não sabia o que fazer.
- Mããããe!
A mãe veio ao encontro da filha e logo percebeu o que acontecia. Por estar nervosa – ainda não estava preparada para um momento como esse! -, conversou em tom muito formal, falando, entre gaguejos, os cuidados e, principalmente, os riscos a que a menina a partir de agora estava sujeita. “Minha filha, minha doce menina, está crescendo, enfim”, pensava a mãe, enquanto procurava um absorvente e explicava à filha como usar. Gabriela ouvia tudo com atenção.
No banho morno recomendado pela mãe, sorriu. Sentia-se mais viva, fluida e fêmea como nunca fora. Uma certeza a inundava: crescia, enfim.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Inverno

Desperta assustado, pulso acelerado, suando em bicas. Um calor intenso lhe percorre o corpo ao mesmo tempo em que se sente fraco, adoecido. Estranha, pois, olhando pela janela, pode ver os muitos flocos de neve caindo suave e lentamente no alvo cenário. É inverno, o rigoroso inverno londrino.
- Será que estou doente? - preocupa-se.
É péssimo ficar doente quando se vive só e distante, amargo preço que se paga pela independência. Tenta se levantar, mas sente tamanho peso sobre a cabeça que se vê forçado a ficar deitado, quase imóvel. Mexe as pernas e sente, com nojo, o suor que invade sua cama, encharcando-a. Precisa sair dali, há tanto que precisa fazer! Fecha os olhos e tenta pensar em algo bom, que o impulsione a se erguer.
Então ele se vê criança, estendendo uma flor para a mãe, na beira da praia, quando ainda viviam no Rio de Janeiro. A mãe inunda a existência do menino com seu sorriso, o mais belo sorriso que ele se recorda já ter visto, arruma seus cachinhos negros desordenados pelo vento, beija-lhe as faces rosadas. A imensidão do mar é pequena diante do amor infinito que a mãe sente por ele; as ondas do mar não o embalam tão bem quanto os braços da mamãe. Ele lhe faz cócegas; ela retribui; ambos correm pela areia da praia. São felizes, e o tempo lhes parece eterno.
Abre os olhos, confortado pela imagem materna. Sorri, pois descobre que não sua, tampouco está deitado em uma cama asquerosamente molhada; antes, encontra-se bem aninhado sob um quente e confortável edredom. Olhando pela janela, pode ver os muitos flocos de neve caindo suave e lentamente no alvo cenário. É inverno, tempo de paz.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

   Tomé
 “No mesmo instante caiu sobre ele névoa e escuridão, e, andando à roda, procurava quem o guiasse pela mão.”
(Atos 13:11 - Bíblia Sagrada)

Sempre duvidou de tudo que não podia compreender. Precisava comprovar o que ouvia, via, sentia. Era um homem bom, mas extremamente desconfiado. Chamava-se Tomé. Arriscava o mínimo, pensava o máximo, inquiria sempre.
Até que, certa vez, andando Tomé por uma rua movimentada, em plena luz do dia, caiu sobre ele névoa e escuridão. Desespero e insegurança abateram o homem. Sem nada enxergar, embora o sol brilhasse a pino, Tomé andava às cegas, procurando quem o guiasse pela mão. Ninguém vinha, porém, em seu auxílio. As pessoas que assistiam a tudo temiam se aproximar, pois não podiam crer no que viam. 
          Assim, engolido pela dúvida alheia, Tomé foi-se perdendo em meio à escuridão que lhe invadiu a alma. E, imerso em trevas, Tomé acreditou, enfim, que estava incompreensivelmente perdido para sempre.