segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Fio de prata
Sua vida era sem forma e vazia, pensava. Sentia que seu espírito oscilava, inanimado, no ar; sua mente tornava-se um caos de medo e solidão; seu corpo, mero instrumento vegetativo, enfraquecido, falho – jazia inerte sobre a cama de hospital. Por que ainda estava vivo? Por que não chegavam e, simplesmente, desligavam as máquinas que o prendiam à vida? Tinha a impressão de ver, ao longe, nebulosamente, um fio de prata que, saindo de sua cabeça, subia aos céus. Ele não via céus, é verdade, ali, dentro daquele quarto há tanto tempo. Ou será que via? Verdade e mentira, realidade e ilusão – tudo se misturando, um aglomerado cruel e crescente. Razão nenhuma encontrava em si mesmo; quem sabe alhures?
Sabia que podia ter sido feliz – e isso era o que mais o torturava.  Sabia que podia ter se divertido mais, amado mais, ter feito o que queria fazer... e se lembrava da canção que muitas vezes cantara na banda louca na qual tocava guitarra. Drogas, sexo e rock and roll, sonho nebulosamente dourado de uma juventude transviada da qual ele – sim, agora se orgulhava – fizera parte, ainda que muito tempo depois. Fizera. Passado bem pretérito. Porque agora, sua vida era um nada sobre a cama. Ter feito o que queria fazer. Sentiu uma lágrima descer pelo rosto – teve medo de morrer. Seria bom? Suave? Indolor? Muitas dores já sentira; que viesse, então, a que precisava vir. Serenou o parco espírito, esvaziou a mente, imobilizou o corpo. E viu que reflexos do fio de prata bailavam à sua frente, viu asas em sua direção que pareciam ter rostos e sorriam como quem diz: “Fique tranquilo, estamos aqui. Vamos junto com você”.
Sua vida, sem forma e vazia, esvaiu-se num espetáculo belo, prateado, sereno. Fim?

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