Fio de prata
Sua vida era
sem forma e vazia, pensava. Sentia que seu espírito oscilava, inanimado, no ar;
sua mente tornava-se um caos de medo e solidão; seu corpo, mero instrumento
vegetativo, enfraquecido, falho – jazia inerte sobre a cama de hospital. Por
que ainda estava vivo? Por que não chegavam e, simplesmente, desligavam as
máquinas que o prendiam à vida? Tinha a impressão de ver, ao longe,
nebulosamente, um fio de prata que, saindo de sua cabeça, subia aos céus. Ele não
via céus, é verdade, ali, dentro daquele quarto há tanto tempo. Ou será que
via? Verdade e mentira, realidade e ilusão – tudo se misturando, um aglomerado
cruel e crescente. Razão nenhuma encontrava em si mesmo; quem sabe alhures?
Sabia que
podia ter sido feliz – e isso era o que mais o torturava. Sabia que podia ter se divertido mais, amado
mais, ter feito o que queria fazer... e se lembrava da canção que muitas vezes cantara
na banda louca na qual tocava guitarra. Drogas, sexo e rock and roll, sonho
nebulosamente dourado de uma juventude transviada da qual ele – sim, agora se
orgulhava – fizera parte,
ainda que muito tempo depois. Fizera. Passado bem pretérito. Porque agora, sua vida
era um nada sobre a cama. Ter feito o que queria fazer. Sentiu uma lágrima
descer pelo rosto – teve medo de morrer. Seria bom? Suave? Indolor? Muitas
dores já sentira; que viesse, então, a que precisava vir. Serenou o parco
espírito, esvaziou a mente, imobilizou o corpo. E viu que reflexos do fio de
prata bailavam à sua frente, viu asas em sua direção que pareciam ter rostos e
sorriam como quem diz: “Fique tranquilo, estamos aqui. Vamos junto com você”.
Sua vida, sem
forma e vazia, esvaiu-se num espetáculo belo, prateado, sereno. Fim?
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário