O Homem, o Mar
O Homem olhou para
o Mar. Aconchego, segurança, paz. Aquele mundo azul parecia tão seu, tão
completamente seu, que tinha a sensação de que somente ali se sentia seguro. Iam-se
os medos, fugiam-se-lhe as teimosias, apagavam-se as neuroses. Bastava ele ali,
diante do tão seu Mar para se sentir pleno. Mas ele sabia que nada seria
novamente como fora; muita coisa mudara desde que estivera ali pela última vez.
O Mar? Permanecia igual; ele, o Homem, é que estava diferente. Mudara-se para a
cidade grande; e lá não havia Mar. Casara-se com a Mulher Bela; e achou que
seria feliz. Dirigira muitos carros; e num deles rodopiou, uma noite, tanto,
tanto, que somente se viu de novo em meio a tubos e faixas, numa cama de
hospital. A mulher Bela? Não, ela não estava ali. Tampouco as pernas do Homem. Por
instantes, praguejou, flagelou-se, achou que iria enlouquecer. Homem? Sem
pernas??
E então,
lembrou-se do Mar. Sabia que precisava voltar para Ele - ainda que incompleto,
sem metade do corpo e tendo em fragmentos a alma. Precisava voltar para o Mar.
Da calçada,
sobre a cadeira de rodas, o Homem olhava o Mar. Mas só aquilo não era o tudo
que o Homem desejava do Mar. Sentiu um toque nas costas. Era outro homem, que
parecia se importar com sua dor. O Homem estendeu as mãos e o homem
compreendeu: tomou-o nos braços e caminhou para o Mar. Os pés do homem traziam
ao Homem, novamente, paz. De olhos fechados, conseguia sentir sob os ausentes
pés a areia fofa e morna. O homem carregou o Homem no colo até a beira do Mar.
E o Homem pediu: “Pode me deixar. Obrigado”. O homem aquiesceu, deixando o
outro ali, largado no Mar. E foi tanta a emoção e tanta a alegria e a paz que
inundaram o peito do Homem que ele chorou.
Quem olhava da
calçada, via apenas um cotoco de homem, sozinho, à beira do mar. Mas o Homem,
que ao olhar o Mar olhava também para dentro de si, via-se fundido àquele mundo
tão seu. Homem e Mar, lágrimas e ondas. Irmandade, mistério, amor.
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