sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A primeira vez

Sentia-se culpado pelo que fizera e buscava, desesperado, formas de se justificar. O tempo. Suas necessidades. A falta de dinheiro. O egoísmo dela. A crise mundial. Tudo servia de escora para sua alma fútil se apoiar. Fato era que se sentia culpado, triste, certo apenas de que, mais uma vez, agira de forma errada. Estava diante do espelho, com as mãos apoiadas sobre a pia e a cabeça baixa. Não conseguia erguê-la e olhar-se. Abriu a bica para lavar as mãos. Lavou também sua cara, horrenda e patética. Olhos fechados, puxou a toalha ao lado para secar-se. E então, num deslize, olhou-se. Levou um susto ao contemplar-se. Seu aspecto era de alguém não apenas culpado, mas cansado, entediado, infeliz. O pior de tudo, porém, não era assustar-se ao constatar seu estado; ele sabia que precisava dela. Que sem ela não vivia bem. Que dependia de seu deboche, seus carinhos, até de seu egoísmo. Que não sabia sorrir se não fosse para ela. Que não conseguia dormir bem se não fosse ao lado dela. Ela era seus sonhos, sua alegria, seus motivos. Ela era todas as suas razões de ser e existir.
Não sabia por que agira como agiu. Sabia apenas que sentir a presença da ausência dela era demais, não conseguia a isso suportar. Colocou a toalha no lugar. Encarou-se corajosamente. Aprumou-se.
Tudo o que precisava era dela. Então telefonou para ela, como se fosse a primeira vez.

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