É pra ver se você volta
Ao som de Mentiras, de Adriana Calcanhoto
Mentiras.
Enredara-se aquela relação em mentiras tantas que chegara ao fim. Ele apenas se
foi. Não era de seu feitio discutir. Tampouco insistir. Foi-se. Ela, porém, protestou,
como era – agora sim - de seu feitio.
Disse
que ia atormentá-lo se não voltasse.
Que
ligaria para ele várias vezes por vários dias.
Que
ele nunca mais teria paz.
Que
contaria para suas amigas sobre o canalha que ele era.
Que
estouraria o cartão adicional, além de sacar cada centavo da conta conjunta que
haviam aberto quando decidiram juntar dinheiro para se casar.
Que
faria uma carta anônima para a mãe dele, beata idolatrada, com obscenidades que
ele jamais ousaria dizer. Seria um escândalo!
Que
encheria a cara e passaria noites ao relento. E que quando alguém se
aproximasse para perguntar se queria ajuda, ela diria que só estava assim por
causa do amor que se foi. E daria ao bom samaritano o telefone dele, o canalha
que a abandonara.
Que
tentaria suicídio e deixaria, ao final do bilhete, o nome dele, a fim de que
fosse o culpado por sua morte.
Tudo
pra ver se ele voltava.
Mas
ele não voltou. Havia mentiras demais.
Ela,
percebendo a derrota, decidiu dizer apenas a verdade. Quando viu que não
conseguia, disse a si mesma que daria um passeio pela Ponte Rio-Niterói. E
lançou-se ao mar.