Harpócrates
Era uma vez um casal triste, que vivia sozinho
numa casa grande. A rotina de trabalhos_estudos_vidasocialeintensa sufocava a
relação entre os dois. Passavam muito tempo fora de casa, em seus afazeres
pessoais e quando retornavam ao lar, ao fim de cada dia, já haviam gastado
todas as palavras que podiam. Assim, silenciavam-se um para o outro. Ouvia-se,
entre eles, apenas o som da solidão.
Um dia, cansada daquela mudez, a mulher
decidiu falar. Era um sábado chuvoso e os dois estavam à mesa, tomando o café
da manhã. Ela olhou para o marido e viu que o homem envelhecia. Algumas rugas, o
olhar pesado e os cabelos cada vez mais grisalhos lhe diziam isso. Olhou para
si e viu que o mesmo acontecia com ela; a trança que lhe caía sobre o ombro
direito agrisalhava-se também. Pensou que a velhice seria um bom assunto, mas o
que a incomodava mesmo era a falta de palavras entre eles. Pousou a xícara
sobre a mesa, abriu a boca.
E nenhuma palavra de lá saiu. Tentava projetar
os sons, boca aberta pairando no ar. Silêncio e aflição. Bateu na mesa com as
mãos, despertando a atenção e o olhar do marido. O impulso dele foi perguntar o
que se passava. Mas nele voz também não havia, embora fizesse esforço para falar.
Silêncio e aflição. Silêncio e os dois. Silêncio.
Foi nesse silêncio que perceberam o tanto de
tempo que havia se passado, taciturnamente, entre eles, para eles. Foi nesse
silêncio que notaram que as palavras não existiriam mais, por falta de costume
ou quem sabe capricho ou castigo de Harpócrates. Foi nesse silêncio
desesperado que se olharam com o carinho há muito esquecido. Levantaram-se,
abraçaram-se com o furor da saudade, beijaram-se ali e também choraram. Tudo
pouco harmonizado, corpos enferrujados de carinho pela distância. Esse silêncio,
com seus hiatos e vazios, foi envolvendo aqueles dois que, de repente, se
lembraram de como era boa a presença do outro, de como valia a pena terem
ficado juntos, de quanto ainda podiam ser felizes. Lembraram-se de que ainda se
amavam, de que queriam ficar lado a lado e de que isso era mais importante do
que trabalhos_estudos_vidasocialeintensa. Ao se afastarem daqueles muitos
abraços e beijos, olharam-se e, finalmente, ambos se disseram amo você.
Do alto dos céus, sentado numa flor de lótus, Harpócrates, o deus-menino, retirara a mão da boca - não precisava mais pedir silêncio. Apenas sorria.
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Oi Simone! Que texto maravilhoso! Parabéns pelo ótimo trabalho que tem feito.
ResponderExcluirBeijos e saudades!
Adriane.
Oi!!! Obrigada por passar aqui e comentar. Muitas saudades de vcs. Beijo!
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