quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O encontro
E o avião, pau-sa-da-men-te, pousava. Tudo parecia lento demais, cenas se construindo q-u-a-d-r-o-a-q-u-a-d-r-o, as alvas nuvens cedendo espaço a casinhas minúsculas que, pou-co-a-pou-co se avolumam.  A vida ao redor em slow motion, exceto pelo seu afervorado coração. Aquela viagem, tinha certeza, durara muito mais que o previsto, cada hora, cada minuto, cada segundo, tudo lento demais e ele aflito, aflito, a saudade a lhe estrangular o peito, desejo de estar em casa, no seu lar, pisar seu chão, sentir o abraço gostoso da mãe. A mãe...
No portão de desembarque, a mãe segurava junto ao peito um crucifixo. Rezava para que o voo pousasse logo e de lá saísse, finalmente, após tanto tempo de separação e solitude, seu filho querido. Sua partida ela mesma estimulara, claro, excelente possibilidade de estudos, oportunidade única, imperdível e que ela jamais tivera. Chance de ser alguém, de orgulhar a memória do pai, de gozar a vida com qualidade e ser respeitado com um bom lugar ao sol.  Mas a distância foi eternizada pelas dificuldades financeiras e somente agora, quatro anos depois, se veriam, enfim. A cada minuto, olhava ansiosa e aflita para o painel de desembarque. Voo 3734, sim, previsto, confirmado, aeronave no pátio, desembarque iniciado e sai uma pessoa e sai outra, agora um casal, duas senhoras e nada do seu filho.
O filho aguarda em tortura a visão de sua bagagem naquela esteira sem fim. Até que suas malas despontam, rubras como sempre, fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim amarradas nas alças. Recolhe-as. Sabe que é o último momento do ritual que há anos aguarda.  
           A mãe avista o filho. O filho avista a mãe. Entre um e outro olhar, a porta automática se fecha mais uma vez. Acelera os passos, a porta se abre, obediente e respeitosa, e ele, finalmente, para à frente da mãe amada. Que abre os braços e com eles, finalmente, envolve o amado filho, amplexo selado pela pureza da cruz. Lágrimas e batidas de coração e recordações de tatos, cheiros, gosto da lágrima do outro, todo prazer do mundo em matar aquela saudade maior que o mundo e que por tanto tempo sufocou os dois. E se abraçam, e se deixam de abraçar, e se olham nos olhos - e se abraçam outra vez e se alisam os rostos e se dizem palavras de amor e amor e amor.
Agora, de fato, o tempo vai en-cur-tan-do até parecer p-a-r-a-r, enquanto aqueles dois corações vão se a-cal-man-do pela segurança que a presença um do outro transmite. A vida ao redor em fast forward. Exceto por aqueles corações em paz.

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