Desaniversário
Encheu todas
as bexigas coloridas, deixando-as dispostas sobre o sofá. Recebeu o bolo e os salgados
que havia encomendado, fazendo questão de pagar tudo em dinheiro. Checou a
temperatura dos refrigerantes que havia colocado para gelar; estavam no ponto. Forrou
a mesa com a toalha cor de rosa, sobre a qual colocou outra, de renda. No centro
da mesa, pôs o bolo. Ao redor dele, talheres, pratinhos, espátula, guardanapos.
Trouxe as taças para a mesa, assim como a bandeja com salgados, quentinhos,
fresquinhos.
Sentou-se e
desejou que houvesse convidados. Que houvesse reais motivos de comemoração. Que
alguém se importasse com seu trigésimo quarto aniversário. Que não estivesse
sozinha. Que houvesse uma linda festa – a sua linda festa.
Aniversário:
dia em que se completa um ou mais anos de idade. Aniversário: relativo à
comemoração do dia do aniversário. Aniversário: alegria, festa, partilha,
comemoração. Bexigas coloridas. Bolo e salgados. Refrigerantes gelados. Mesa
arrumada.
Aniversário. Alegria.
Festa. Partilha. Comemoração. Então hoje era apenas seu desaniversário. Não
como os desaniversários de Alice no País das Maravilhas. Era seu desaniversário
porque lhe faltava alegria, festa, partilha, comemoração – embora lhe sobrassem
anos, danos, canos. Era seu desaniversário porque sua vida esvaía, bem como seu
prazer de existir e ser, justo no dia em que deveria haver alegria, festa,
partilha e comemoração. E enquanto se dava conta disso, cobria-lhe um temor -
mais que isso: um terror - de que sua vida estivesse sendo vivida toda ao
contrário, desde sempre. De que sua alegria profunda não passasse de um esgarçado
sorriso. De que seus sonhos dourados não fossem mais do que ilusões incolores.
Desaniversariava
e isso lhe causava dor.
E, doente que
estava, foi desaniversariando, desaniversariando, enquanto olhava para o bolo,
para a fumaça que saía dos salgadinhos, para os objetos dispostos sobre a mesa,
para as gotículas que brotavam das garrafas de refrigerante, para a renda sobre
a toalha cor de rosa... até desaparecer em meio às bexigas multicores.
Amei sua sensibilidade... Parabéns!
ResponderExcluirMaravilhoso!
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