sábado, 6 de setembro de 2014




Oca. Seca. Chão.

Olho-me no espelho e só vejo sombras esparsas da mulher que um dia fui. Quase não me reconheço; é preciso esforço e coragem para buscar - no fundo dos olhos, na respiração agora lenta, nos lábios que se afinam – a essência que, creio, ainda sou. Os anos passaram e sobre eles o tempo se avolumou. Transmutei-me em algo que não reconheço eu. Sou oca, sou seca, sou chão. A vitalidade passou, assim como o primeiro amor e o sonho de um dia mudar o mundo. Sou oca, sou seca, sou chão. A paixão pela vida se esvaiu, bem como a crença no humano. Sou oca. Sou seca. Sou chão. Chão seco e oco que se abre sob mim mesma e nele afundo. Chão seco e oco que me descobre somente para então, pe-no-sa-men-te, me recobrir. Oca. Chão. Seca. Resto de uma mulher que um dia fui. Hoje, não mais. Chão. Seca. Oca. As sombras esparsas que vejo no espelho à minha frente confirmam isso. Penso, sobressaltada, se ainda vivo, se naquela mulher oca, seca e chão à minha frente ainda haverá o fôlego de vida. Apesar da infertilidade que a/me invade por completo. Apesar da sequidão que a/me abate a alma. Apesar do chão que sou e que se me afunda sob mim. Apesar da mulher-eu que vejo no espelho.

Abro o armário. De lá retiro um lençol branco. Cubro o espelho com o lençol branco e eis o fantasma diante de mim. Por sobre o lençol branco, plenamente visível, uma sombra esparsa, desdentada, plena de rugas – tão oca, tão seca, tão chão - me sorri tristemente.                                                             

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